segunda-feira, 13 de julho de 2009

Partido Pirata busca registro para disputar voto

Funcionários do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não muito afeitos ao mundo virtual vão estranhar o nome de um novo partido que, nas próximas semanas, pedirá o registro provisório. A nova legenda vai requisitar ao TSE o batismo de Partido Pirata, a exemplo do que foi feito em outros 20 países, sendo que em seis deles já é formal e disputa eleições.

No Brasil foi criado há dois anos por um grupo interessado na discussão de direitos autorais e liberdades civis. Hoje o Partido Pirata ainda é um grupo de pessoas reunidos em torno das mesmas ideias, mas sem nenhuma regra formal ou controle por parte de seus integrantes. Ao todo, são cerca de mil pessoas cadastradas no site do "partido".

A eleição de um representante ao Parlamento Europeu incentivou os brasileiros a seguir o caminho da institucionalização. Cá, como lá, acreditam, há espaço a se conquistar na política formal e, por meio dela, ver as demandas atendidas.

O Partido Pirata é um fenômeno da internet. Nasceu após sucessivas brigas entre a indústria fonográfica e um site sueco (o piratebay.com) criado por jovens que queriam facilitar a vida de internautas que gostariam de compartilhar arquivos. Em torno da recorrente batalha sobre direitos autorais, liberdade de expressão e outras questões, o partido espalhou-se da Europa pelo mundo.

No Brasil seus integrantes pretendem ter como bandeira o direito autoral, a transparência das informações governamentais e a inclusão digital. "A questão dos direitos civis é primordial, mas acreditamos que também possamos avançar em temas importantes, como a disseminação do governo eletrônico", diz Jorge Machado, porta voz do grupo.

Jorge, professor de políticas públicas da faculdade de Sociologia da USP, diz que a maior dificuldade à formalização do Partido Pirata são as barreiras físicas. Na internet, diz, o grupo circula com facilidade e conhece os atalhos para se estruturar. Mas quando passa ao mundo real, as coisas ficam mais complicadas.

Para os piratas, a maior dificuldade está na estrutura necessária para conquistar os 500 mil filiados exigidos. "É papel, é físico, ainda não temos estrutura para lidar com um volume desses, agora é impossível", diz Jorge. "Se a filiação pela internet fosse permitida, seria mais fácil".

Com o registro provisório, buscam ganhar popularidade. "Dificilmente estaremos prontos em 2010, mas quem sabe nas eleições de 2012 já disputemos", diz. Para os piratas brasileiros, a entrada no mundo real é fundamental. "Temos que ir para a rua, como um partido comum, buscar reconhecimento popular".


Na Suécia, sigla já é a 3ª em número de filiados

De camiseta surrada, calça jeans, tênis nos pés e um computador ultraportátil nas mãos, Rickard Falkvinge em nada lembra um político. A fala pausada - embora eloquente - também não soa como o discurso inflamado dos políticos. Talvez isso ajude a explicar por que ele anda fazendo sucesso na política. Mas as razões vão além da aparência.

Falkvinge, de 37 anos, conseguiu mobilizar os jovens suecos ao levar para a arena eleitoral um tema que faz parte da vida deles: o debate sobre direitos autorais e o download de músicas, vídeos e outros conteúdos da internet. "Essa discussão já estava nos jornais, nas TVs e nas mesas dos cafés. Todo mundo falava disso, menos os políticos", afirma.

Foi a partir dessa constatação que, em 2006, Falkvinge largou o emprego numa pequena empresa de softwares, pediu empréstimo num banco e fundou o Partido Pirata. Com uma bandeira fincada na defesa da extinção das patentes e da redução dos direitos autorais, os piratas atraíram adeptos em ritmo vertiginoso e em pouco tempo se tornaram o terceiro maior partido da Suécia - já são 50 mil filiados.

Não é pouca coisa. Os social-democratas, grupo político mais importante do país, tem aproximadamente 100 mil adeptos. Os moderados, que estão no poder agora, somam 55 mil.

O maior feito do Partido Pirata, entretanto, foi atingido recentemente: ao receber 7,13% dos votos dos suecos nas eleições europeias deste ano, a legenda conseguiu uma inédita vaga no Parlamento Europeu. É a primeira vez que um partido com tal projeto chega ao legislativo.

Quem vai se sentar ao lado dos figurões da política europeia é Christian Engström, vice-presidente do Partido Pirata. Mas ele pode, em breve, ganhar a companhia de Amelia Andersdotter, de apenas 21 anos, se o Tratado de Lisboa - que amplia o número de assentos no Parlamento - for aprovado. Para isso, só falta a decisão da Irlanda. Com isso, os piratas terão direito a duas vagas.

A poucas semanas das eleições, a causa pirata ganhou um empurrão inesperado: em abril, um tribunal sueco condenou à prisão quatro representantes do Pirate Bay, site de compartilhamento gratuito de arquivos. A medida acabou estimulando os simpatizantes a comparecer às urnas.

A conquista deixa Falkvinge mais perto do objetivo que tinha em mente quando resolveu criar o partido. "A única forma de abordar esse tema com os políticos era estar perto deles e desafiá-los diretamente", afirma. "Queremos usar essa vaga no Parlamento Europeu para fazer as pessoas pensarem e quebrar essa visão de que ter mais patentes e mais direitos autorais é bom. Mas sabemos que essa mudança vai levar dezenas de anos."

Na avaliação do líder dos piratas, as patentes deveriam ser abolidas porque limitam a criatividade das pessoas e "só beneficiam os Estados Unidos".

Em relação aos direitos autorais, a proposta é que eles sejam reduzidos em escopo e duração. "Não faz sentido que uma obra continue protegida 70 anos depois que o autor está morto e enterrado. É uma medida que beneficia as editoras, não os artistas."

Acima de tudo, o partido defende o que Falkvinge chama de liberdade de informação. Na cartilha pirata, significa compartilhar todo tipo de conteúdo na web de forma irrestrita. O argumento é de que essas cópias têm custo zero e não geram valor para a sociedade. "Se você não tem o direito de dividir músicas e filmes na internet, perde o direito de se comunicar de forma privada", observa. "Não acho que isso crie dificuldades para os artistas. Cria para as gravadoras, mas elas desaparecerem não é um problema."

Concorde-se ou não com o discurso, a história do Partido Pirata sueco importa porque é reveladora de uma mudança de comportamento que se repete ao redor do mundo. "Falkvinges" de diversas nacionalidades estão criando legendas com a mesma proposta em seus respectivos países - pelo menos 30, incluindo o Brasil, são listados num forum internacional sobre o tema. Esses grupos trocam experiências on-line, recebem uma espécie de assessoria dos suecos e tentam se reunir a cada seis meses para debater ideias. Os piratas alemães disputaram as eleições deste ano e obtiveram 0,9% dos votos.

São números pequenos e ainda insuficientes para inserir esses partidos no bolo do financiamento público de campanhas. Na Suécia, os piratas ainda vivem de doações de simpatizantes que cedem ao partido, em média, entre US$ 1 e US$ 10 por mês. Eles também vendem camisetas, canecas e outros produtos por meio de sua página na internet.

No entanto, resultados como o dos partidos sueco e alemão mostram a emergência de uma geração de eleitores com novos valores, fato que os políticos tradicionais cada vez menos vão poder ignorar - especialmente se quiserem atrair votos dos jovens. No caso do Partido Pirata sueco, a maior parte dos filiados tem até 30 anos. Um gráfico sobre a idade dos participantes mostra que as adesões atingem o ponto máximo entre os nascidos em 1990.

Falkvinge se tornou espécie de celebridade entre esse público. Enquanto conversa com o Valor numa estação de trens de Estocolmo (o partido não tem uma sede física), o pirata é abordado por um grupo de jovens que vão cumprimentá-lo. Ele diz que já se acostumou a ser reconhecido nas ruas e a dar entrevistas. "O bom é que eu não sou o típico sueco tímido", brinca.

Tampouco é o típico eleitor do Partido Pirata. Diferentemente do que se poderia imaginar, a discoteca digital no netbook de Falkvinge não é um acervo baseado apenas em downloads gratuitos. "Na maioria das vezes, escuto as rádios da internet. Tenho preguiça de baixar arquivos."

Fonte: Jornal Valor Econômico (SP), em 13/07/2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário